Nesses tempos de telemedicina, que exclui o
atendimento presencial; quando os testes e resultados laboratoriais
substituem os exames clínicos e a conversa entre médico e paciente
passou a ser meramente protocolar, iniciando pelo tipo
do plano de saúde do portador, ele fazia toda a diferença.
Quem entrava em seu modesto consultório anexo
ao Hospital Samaritano, encontrava um profissional vestido em seu
jaleco branco, com estetoscópio ao pescoço, disposto a atender e a ouvir
seres humanos. A conversa era longa: para chegar
a um diagnóstico e prescrever dietas e medicamentos, ele tinha
necessidade de conhecer o indivíduo, saber dos seus hábitos e conferir os sintomas de quem decidira
procurá-lo para pedir ajuda.
Era um homem simples. Voltado para o seu
trabalho. Para seus estudos e pesquisas. Dedicado a encontrar soluções
para curar ou, pelo menos,
amenizar dores e angústias do paciente. Não media ninguém pela conta bancária
ou pela posição social. Tratava a todos com o mesmo carinho e atenção,
com o mesmo empenho e dedicação que o
fazia percorrer, diariamente, às primeiras horas da manhã, os corredores
do seu hospital para visitar, um a um, todos aqueles que estavam ali,
internados, na enfermaria ou nas suítes especiais esperando
a palavra do seu anjo da guarda Recebi a sua amizade como herança. Um presente de Deus que caiu em minhas mãos desde que cheguei a João Pessoa,
em meados dos anos 70.
Era ele o médico da família, o doutor Marco Aurélio Barros, um nome que
era lembrado com profundo respeito e confiança sempre que
procurávamos tratamento para problemas
de saúde.
Foi médico da minha avó, dona Maria das Neves, e de todas as suas filhas, incluindo a minha mãe,
a quem assistiu até os últimos
momentos. Com paciência beneditina, cuidou do meu pai , que só ficava
satisfeito quando ouvia a sua palavra e os seus conselhos. E também de
mim, nas diversas situações em que necessitei da
sua presença e dos seus inestimáveis serviços.
Ao longo de todo esse tempo, tornamo-nos
grandes amigos e descobrimos muitas afinidades, a começar pela
sensibilidade e pelo fascínio em relação à palavra escrita.
Acompanhava toda a minha produção na Imprensa, a partir da minha
coluna, desde os tempos de O Norte até os textos de hoje que publico aqui, em A União.
Incentivava-me e
impulsionava com sua leitura crítica, generosa e estimulante. E comemorou o meu ingresso na Academia Paraibana de Letras.
Quando ultrapassou a barreira dos 80 anos, decidi inverter as posições : passei a perguntar sobre a sua saúde, se estava tomando os seus remédios
e se cuidando , especialmente agora,
diante da pandemia do coronavírus. “Deixei de ser seu paciente. Agora sou o seu médico”, lhe dizia sempre, preocupado em preservar
os anos que gostaria e precisaria de tê-lo ao meu lado.
Chegou, porém, o
momento do desenlace, da ruptura, da despedida de um homem que se
tornou absolutamente indispensável, com quem eu me consultava, me
aconselhava, me abastecia e me enchia de confiança.
Um especialista em seres humanos.
Foi embora o último samaritano. O escritor
Ascendino Leite, paraibano de rara sensibilidade, dizia que “morrer é
voltar para casa”.
Deus o está recebendo de volta ao lugar que sempre lhe pertenceu.
De volta para casa
04 Ago 2020- 163