Contam que foram os escravos que inventaram a saborosa
iguaria,
reunindo os rejeitos desprezados das carnes nobres, consumidas pelos
aristocratas, para reuni-los todos num grande caldeirão e, assim ,
produzir o que seria conhecido popularmente como feijoada. O que aqueles
negros africanos, aprisionados e humilhados,
não sabiam é que, mais do que um alimento para a sua sobrevivência,
estavam inventando um prato que se tornaria sinônimo de
confraternização, de comemoração e, sobretudo, de amizade.
Com o passar dos anos, a feijoada tomou conta da mesa dos
brasileiros
sempre que o ocasião propiciava uma reunião de família, o reencontro de
amigos, a celebração de uma conquista ou uma comemoração coletiva de
uma vitória do seu clube favorito. O feijão preto, bem temperado,
acompanhado de uma boa carne de charque, do paio,
do torresmo e da lingüiça, passou a fazer parte do cardápio do
brasileiro, especialmente do carioca que foi o primeiro a descobrir o
sabor , a riqueza e o charme daquele prato irresistível ao paladar mais
exigente.
Meu pai, o ministro Abelardo de Araújo Jurema, que
construiu
uma carreira brilhante na política brasileira que o levou a ocupar a
liderança do governo Juscelino Kubitschek e o Ministério da Justiça no
governo João Goulart, era daqueles que não resistiam
a uma boa feijoada. De tal forma que os seus
adversários políticos tentavam denegrir a sua imagem dizendo que ele
“despachava na Feijoada do Copacabana Pálace”, que acontecia todos os
domingos e onde ele era dos clientes
mais assíduos e festejados.
Um dos seus desafetos, o jornalista David Nasser, porta
voz do
governador Carlos Lacerda, líder da Oposição ao Governo, chegou a
tentar denegri-lo em um dos seus artigos, chamando-o de Ministro
Feijoada, ao que ele respondeu com o seu trabalho honesto, permanente
e eficiente em favor da democracia e da coletividade.
Hoje, tantos anos depois, o prato criado pelos escravos,
adotado
pela burguesia e consagrado pelo gosto popular, transforma-se em
herança de família e vem fazer parte das minhas atividades como
comunicador, jornalista e promotor de eventos. A Feijoada do Abelardo
que, pelo 26º ano consecutivo, reunirá amanhã a sociedade
paraibana, é mais uma herança que, ironicamente, recebo do meu
saudoso pai.
Assim como ele, fico feliz em ter o meu nome associado a
um
alimento que é bem mais do que uma especialidade da culinária
brasileira: na verdade, trata-se de uma manifestação cultural, um
gesto de amizade que simboliza o amor e a paz que aproxima homens e
mulheres de boa vontade.
O feijão maravilha
13 Jun 2020- 186