- Quer conhecer o caráter de um homem? Dê o poder a ele.
A frase, do ex-presidente americano Abraham Lincoln, resume um dos fatos mais marcantes da
semana que passou, quando um
desembargador de São Paulo destratou , humilhou e agrediu verbalmente um
guarda municipal que ousara interromper a sua caminhada matinal e, quem
sabe, o seu desjejum, para solicitar-lhe que usasse
a máscara recomendada nesse período de pandemia,
em que temos de nos proteger e aos outros da ação de um vírus devastador.
A cena já foi exaustivamente exibida na televisão, ensejou artigos e críticas
de toda a imprensa e virou meme na Internet. As imagens insólitas de um
magistrado esquecendo-se dos seus deveres de cidadão e
extrapolando em sua autoridade, responsável por fazer valer a Justiça,
causou revolta e indignação. A empáfia, a arrogância, a soberba e a
certeza de que o Poder que exerce estaria muito acima
da Lei que jurou cumprir, nunca estiveram reunidos de forma tão
eloquente e despudorada como naquele gesto
autoritário.
O episódio remete a alguns homens com quem convivi,
que tiveram
o poder nas mãos, mas nunca se afastaram de sua condição humana,
permanecendo sempre a mesma pessoa, indiferente aos cargos públicos que
possam ter alcançado. E, mais uma vez, pedindo vênia aos leitores,
recorro ao meu pai, Abelardo de Araújo
Jurema, que conheceu as duas faces da moeda, para oferecer exemplos de respeito e consideração ao próximo.
Mesmo
exercendo as mais altas funções públicas, nunca se valeu delas para
alcançar privilégios
ou se considerar diferente das pessoas comuns. Como Ministro, tratava a
todos, indistintamente, com o mesmo respeito e consideração, do
carteiro ao jornaleiro, do dono da mercearia ao porteiro do prédio. Nunca o ouvi usar a
expressão “sabe com quem está falando?”, nem mesmo numa
discussão em que a posição social poderia decidir a seu favor.
- Quem proclama a sua importância é porque não é digno dela
- ensinava.
Certa vez, quando retornávamos do trabalho pelo
Aterro do Flamengo, com ele na direção, nos envolvemos num acidente de trânsito. Nada grave, ninguém saiu ferido, mas a perícia
foi acionada e o guarda, que reconhecera o “doutor Abelardo”,
manifestava
forte inclinação em livrá-lo da responsabilidade pelo sinistro. “Não há
o que discutir, a culpa foi minha. Pode lavrar a ocorrência”, disse,
entregando a sua habilitação ao policial.
Tempos atrás,
o jornalista Sebastião Nery, 88 anos, um dos
mais respeitados da Imprensa brasileira e que chegou a ser deputado
federal pelo Rio de Janeiro, onde vive até hoje, foi autor do prefácio
do livro Exílio, de autoria do seu amigo Abelardo Jurema, em que narrou
a sua experiência como exilado em Lima, durante
o regime militar. Em seu texto, Nery produziu uma frase lapidar, que
está inscrita em bronze no túmulo do seu velho e querido companheiro,
que hoje repousa no cemitério da cidade de Itabaiana.
- Fora eu Ministro da Educação,
mandaria que esse livro fosse lido nas salas de aula de todas as
escolas. Ele ensina o que é um homem. Sobretudo ele mostra como deve
ser um homem. No poder , sem querer ser mais do que um homem. E no
exílio, sem tolerar ser um centímetro menos do que
um homem.
Eis aí a medida do verdadeiro homem.
A medida do homem
28 Jul 2020- 161