Como faço há alguns anos, fui passar o Carnaval
no Rio de Janeiro. Um pit-stop no trabalho para recarregar as energias e
me reabastecer na admirável paisagem carioca, revendo os caminhos que
percorri na cidade que me serviu
de berço e, como na canção de Gilberto Gil, me deu régua e compasso, me
ensinando os primeiros passos para me tornar o homem que sou hoje,
feliz com o que construí
e agradecido com as muitas bênçãos que o destino me reservou, sob a proteção do Criador.
Acompanhado por um grupo de amigos da Paraíba, fui
em direção ao movimento
anárquico, irreverente e imprevisível em que se transformou o carnaval carioca, desde
que a população decidiu
transformar a festa, antes restrita aos desfiles da Marques de Sapucaí e
aos elegantes salões de baile do Copa ou do Monte Líbano, em uma
autêntica manifestação
popular, com as pessoas indo para as ruas extravasar as suas emoções,
desabafar
o seu protesto e
promover o congraçamento geral, sem distinção de cor,
classe, religião ou preferência sexual.
Entretanto, nem tudo foi alegria . Bem cedo da manhã, ao ir comprar os jornais numa banca próxima ao meu hotel,
me deparei com a cena que mais me impressionou
diante de toda aquela fantasia: era o bloco dos miseráveis, dos
desvalidos, dos excluídos, formado por homens , mulheres e crianças que
dormiam nas calçadas, ao relento, disputando
espaços sob as marquises, para se proteger da chuva, do vento e do
frio.
Aquele quadro dantesco foi a imagem mais
contundente
e constrangedora que me marcou o carnaval do Rio, uma cidade
abandonada pelos seus dirigentes,
assaltada pelos seus governantes, completamente indiferente ao grave
problema social com que se depara, diariamente,
me fazendo lembrar os versos de advertência de
Chico Buarque de Holanda: “Palmas pra ala dos barões famintos,/O bloco
dos napoleões retintos/ E os pigmeus do bulevar/ Meu Deus, vem olhar./
Vem ver de perto/ uma cidade
a cantar./ A evolução da liberdade./ Até o dia clarear”.
A outra face
11 Jun 2020- 176