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De filho para pai

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Nos primeiros dias da implantação do regime militar no Brasil, em março de 1964, quando o meu pai, o então ministro Abelardo Jurema, já se encontrava na condição de asilado político na embaixada do Peru, nós, os seus filhos, fomos, finalmente, avisados de que poderíamos visitá-lo em seu novo endereço – uma mansão em estilo colonial localizada na Avenida Pasteur, na Urca, próximo ao Iate Clube do Rio de Janeiro, infelizmente já demolida. Recordo que a primeira vez que lá estive usava o fardamento escolar e saí do colégio ansioso, direto ao desconhecido, como se viajasse para outro país. Com o tempo, entretanto, passei a fazer da visita à embaixada peruana um roteiro obrigatório após as aulas. Por incrível que pareça, me sentia feliz naquele ambiente de semblantes tensos e sombrios. Afinal, tinha a oportunidade de ver meu pai todos os dias, o que não acontecia em seus tempos de Ministério da Justiça. Numa dessas ocasiões, já próxima a partida do meu pai para o exílio – ele permaneceu 41 dias como asilado até receber o salvo contudo para deixar o País - me debrucei numa máquina de escrever e comecei a dedilhar uma breve mensagem. “Catando milho” nas teclas de uma Olivetti, redigi uma comovida carta de despedida ao meu amado pai, falando da minha incompreensão dos fatos que motivaram o seu afastamento da família e da minha tristeza por não tê-lo conosco no aniversário de minha mãe, dona Vaninha. Ao concluir a minha carta, cheia de erros datilográficos e com o português sofrível dos meus 12 anos, levei-a a meu pai que estava numa sala com alguns jornalistas, entre eles Tarcisio Holanda, um dos mais respeitados profissionais de imprensa do País, falecido aos 83 anos, em fevereiro deste ano, que era repórter do Jornal do Brasil. Quando entreguei aquele pedaço de papel ao meu pai, ele leu emocionado, e em voz alta, para os amigos que o cercavam. O jornalista Tarcisio Holanda pediu permissão ao seu amigo e guardou o bilhete no bolso. Alguns dias depois, o Jornal do Brasil publicava na coluna Informe JB, uma nota sob o titulo De Filho para Pai, onde o editor da página, Wilson Figueiredo, relatou o fato, transcrevendo o bilhete que segue abaixo: “Rio, 7 de maio de 1964. Um dia muito movimentado no qual minha mãe completou 42 anos. Uma idade que ela não parenta ter. No aniversário dela não houve festa de dança pois meu pai se encontra, injustamente, na embaixada do Peru, pois é um homem honesto, direito, trabalhador e cumpridor dos seus deveres. Mas a coisa um dia mudará, porque se Deus defende os homens de bem, defenderá meu pai. Segunda-feira, dia 11, ele embarcará para o Peru, sentirei sua falta mas ele já me disse que, se arranjar dinheiro, manda me buscar para passar as férias de julho com ele. Bem, aqui termino minha reportagem, como disse o colega do meu pai, dr. Hiran Aquino, que também é asilado e vai viajar com ele”. E, ao final, arrematou o editor Wilson Figueiredo: “As vírgulas estão fora do lugar, erros adequados a idade do autor. Mas o sentimento de filho para pai está no lugar certo”.
- Capitulo do livro Cesário Alvim 27 – Histórias do filho de um Exilado, que está sendo publicado, em segunda edição, pela Editora Universitária da UFPB.

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