no image

O cheiro de perfume

  • 177
Fonte:
Imprimir

Até os meus vinte e poucos anos, quando morava no Rio de Janeiro, nada me era mais importante do que passar o Carnaval em João Pessoa. Largava tudo para pegar um ônibus da Itapemirim, um navio do Loyd Brasileiro, um avião da Varig ou até mesmo me aventurar em um Fusca para chegar à Paraíba, minha terra amada, e usufruir aquele alegria incontida , aquele frenesi que tomava conta da cidade durante quatro dias de muita folia. Nas ruas, o clima se assemelhava a um Sanatório Geral, como na música de Chico Buarque. O “corso” na Lagoa, com o mela-mela  que envolvia água, muita maisena, talco e, por vezes,  outros ingredientes não tão inocentes assim, ofereciam a impressão que estávamos vivendo uma espécie de loucura coletiva, uma demonstração eloqüente de igualdade e de amor ao próximo como jamais havia observado em outro lugar qualquer. À noite, os bailes do Cabo Branco dominavam a cena. A decoração do clube, invariavelmente assinada  pelo cenógrafo Brasil Montenegro, era motivo de apresentação oficial para a Imprensa. As atrações contratadas eram anunciadas, solenemente, com os maestros paraibanos Ninô e Villô  dividindo o palco com  orquestras de renome nacional,  como a do maestro Cipó,  ou  a Tabajara, do maestro Severino Araújo. No ginásio Manoel Morais,  dez mil pessoas brincavam incessantemente, rodopiando pelo salão a distribuir confetes e serpentinas. O que se via era a explosão do amor, da fraternidade e do respeito ao próximo. Não havia malícia  e arrancar um beijo da namorada era a maior conquista de quem se preparara o ano inteiro para viver aquele momento. Agora, tudo mudou. O que era uma manifestação popular espontânea, desobediente, irreverente e descompromissada, tornou-se uma atividade industrial onde todos seguem o mesmo modelo de uma festa pré-fabricada, embalada por trios elétricos que executam ritmos distantes das  nossas tradições carnavalescas, indiferente às nossas origens e  alheias às raízes do autêntico carnaval nordestino, do frevo, das marchas e do maracatu. Nada de corso, nada de troças , de blocos de sujo e de mela-mela. O barulho das batucadas, das orquestras de frevo, emudecem e dão lugar à melancolia. Hoje,  faço o caminho inverso. Sigo  para o Rio de Janeiro  para me divertir com  amigos paraibanos,    lembrando dos versos do Mestre Fuba: - “Ai que saudade dos carnavais dos tempos de outrora;   tinha serpentina e o cheiro de perfume que não tem agora”.

Matéria Anterior Artesanato em alta
Próxima matéria Posse prestigiada
Leia também:

+Notícias

Não perca as mais lidas da semana

Artesanato em alta

12 Jul 2025
  • 236

Propaganda High Tech

12 Jul 2025
  • 231

Turnê na Capital

12 Jul 2025
  • 231
no image
Ver mais notícias