Até os meus vinte e poucos anos, quando morava no Rio de Janeiro, nada
me era mais importante do que passar o Carnaval em João Pessoa. Largava
tudo para pegar um ônibus da Itapemirim, um navio do Loyd Brasileiro, um
avião da Varig ou até mesmo me aventurar
em um Fusca para chegar à Paraíba, minha terra amada, e usufruir aquele
alegria incontida , aquele frenesi que tomava conta da cidade durante
quatro dias de muita folia.
Nas ruas, o clima se assemelhava a um Sanatório Geral, como na música de Chico Buarque. O “corso” na Lagoa, com o mela-mela
que envolvia água, muita maisena, talco e, por vezes,
outros ingredientes não tão inocentes assim, ofereciam a impressão que
estávamos vivendo uma espécie de loucura coletiva, uma demonstração
eloqüente de igualdade e de amor ao próximo como jamais havia observado
em outro lugar qualquer.
À noite, os bailes do Cabo Branco dominavam a cena. A decoração do clube, invariavelmente assinada
pelo cenógrafo Brasil Montenegro, era motivo de
apresentação oficial para a Imprensa. As atrações contratadas eram
anunciadas, solenemente, com os maestros paraibanos Ninô e Villô
dividindo o palco com
orquestras de renome nacional, como a do maestro Cipó,
ou a Tabajara, do maestro Severino Araújo.
No ginásio Manoel Morais, dez mil pessoas
brincavam incessantemente, rodopiando pelo salão a distribuir confetes e
serpentinas. O que se via era a explosão do amor, da fraternidade e do
respeito ao próximo. Não havia malícia
e arrancar um beijo da namorada era a maior conquista de quem se preparara o ano inteiro para viver aquele momento.
Agora, tudo mudou. O que era uma manifestação popular espontânea,
desobediente, irreverente e descompromissada, tornou-se uma atividade
industrial onde todos seguem o mesmo modelo de uma festa pré-fabricada,
embalada por trios elétricos que executam ritmos
distantes das nossas tradições carnavalescas, indiferente às nossas origens e
alheias às raízes do autêntico carnaval nordestino, do frevo, das marchas e do maracatu.
Nada de corso, nada de troças , de blocos de sujo e de mela-mela. O
barulho das batucadas, das orquestras de frevo, emudecem e dão lugar à
melancolia. Hoje,
faço o caminho inverso. Sigo para o Rio de Janeiro
para me divertir com amigos paraibanos,
lembrando dos versos do Mestre Fuba:
- “Ai que saudade dos carnavais dos tempos de outrora; tinha serpentina e o cheiro de perfume que não tem agora”.
O cheiro de perfume
13 Jun 2020- 177