Aos 16 anos, com meu pai no exílio, a nossa família enfrentava
dificuldades. Embora muito bem instalados no apartamento 201 da rua
Gastão Bahiana 43, uma ladeira que liga Copacabana à Lagoa Rodrigo de
Freitas, o único patrimônio que possuíamos, vivíamos modestamente,
sem luxos. Felizmente, eu e meu irmão, João Luiz, jamais tivemos mania
de grandeza, vivendo felizes com o que tinhamos, consciente das
limitações impostas pelas circunstâncias.
Andávamos de ônibus e eu passei a estudar no Colégio Estadual André
Maurois, que ficava no Leblon e que era considerado berço da Liberdade
Com Responsabilidade, um lema
adotado pela sua diretora, Henriette Amado, viúva
do professor Gilson Amado, que implantou uma nova filosofia na escola.
Vivíamos o auge do Regime Militar. Estávamos em 1968, com muita gente
presa nos quartéis e inúmeras manifestações populares sendo contidas pela força e pelo arbítrio.
Tinha dificuldade em manter as minhas necessidades básicas de
adolescente – o dinheiro para comprar uma roupa, para ir ao cinema com a
namorada, e para me divertir com os amigos. Por iniciativa de minha
mãe, dona Vaninha, conheci o meu primeiro emprego na Rique
S/A, uma empresa que operava com letras de câmbio
e aplicações no mercado financeiro,
dirigida por um paraibano, Lafayette Coutinho Torres, muito amigo da família,
que havia sido Oficial de Gabinete do meu pai no Ministério da Justiça.
Consciente de minhas responsabilidades, acordava cedo, pegava o ônibus, e
antes das 8h , já estava lá , embora sem saber exatamente quais seriam
as minhas atribuições. Nunca havia trabalhado e a minha experiência era
jogando futebol de praia ou pegando jacaré
no Arpoador. Logo nos primeiros dias, percebi que todos gostavam de um
cafezinho. Decidi, então, aprender a fazer café para servir aos
funcionários. Ocupei o meu espaço na cantina e na atenção dos colegas.
Logo
estava um expert na minha nova ocupação.
Certo dia, observei que havia visitas na sala do diretor. Olhei pelo
canto da porta e contei sete pessoas. Fiz o cafezinho, preparei as
xícaras, bati discretamente na porta e entrei para realizar o meu
serviço. O que eu não sabia é que entre os visitantes estava
o paraibano Aramys Alves Aires, publicitário da revista Manchete, que
me procurou ao final do encontro.
- Como é que você, filho do Ministro Abelardo Jurema, está aqui servindo café? – perguntou indignado.
Ouví a sua queixa mas não dei ouvidos. Para mim era um trabalho como outro qualquer.
Dias depois fui chamado à sala do doutor Lafayette:
- Eu já lhe mandei servir café aqui? – perguntou em tom enérgico.
- Não, respondi, sem entender o motivo da repreensão.
- Pois , a partir de agora, você está proibido de sequer entrar na cantina – ordenou.
A indiscrição de Aramys havia levado o assunto aos ouvidos de minha mãe
que se deixou impressionar e decidiu tomar providências para me tirar de
uma situação que eu mesmo havia criado. Em mais de um ano que estive na
empresa, entregando correspondências e fazendo
serviços bancários, jamais deixei de fazer o café para meus
companheiros.
(Capítulo do livro Cesário Alvim 27 – Histórias do Filho de Um Exilado –
que será lançado, em segunda edição, pela editora Universitária da
UFPB)
O Office Boy
05 Out 2020- 172