no image

O pai na cabeceira

  • 173
Fonte:
Imprimir

Com a ausência do meu pai, que partiu para o exílio em Lima sem previsão de volta, ficamos – eu e os meus irmãos João Luiz, Rosalinda e Vanita – praticamente órfãos. Apesar dos afazeres e responsabilidades como político de projeção nacional, o então Ministro Abelardo Jurema era um pai presente, que gostava do Natal em família, que levava os filhos para lanchar no Bob’s de Ipanema, passear em São Conrado ou almoçar na churrascaria Parque Recreio, que ficava no Largo do Machado, à época a melhor do Rio de Janeiro. Nos dias que se sucederam à Revolução de Março de 1964, o meu irmão mais velho, Oswaldo Jurema, estava em Roma designado para exercer função no Loyd Brasileiro, junto com o jornalista paraibano Heitor Falcão, de saudosíssima memória, um velho e querido amigo da família. Ambos foram tomados de surpresa pelo Golpe Militar e tiveram que retornar imediatamente ao Brasil, avisados de que a situação política no País havia passado por intensas transformações. A falta de um homem no comando da casa deixava a todos nós ainda mais inseguros. Minha mãe, dona Vaninha, filha do ‘coronel’ Oswaldo Pessoa, embora demonstrando surpreendente coragem e bravura indômita, também se ressentia da presença masculina ao seu lado, sobretudo nos momentos de tensão e de forte pressão determinadas pelas dificuldades financeiras. Essa lacuna só veio a ser preenchida, alguns dias depois, com o retorno do meu irmão Oswaldo do exterior. Com apenas 22 anos, convivendo com os privilégios e os encantamentos do Poder durante toda a sua vida, ele jamais se deixou contaminar pelas benesses e privilégios conferidos “ao filho do Ministro”. Era um jovem consciente, com os pés no chão, de caráter muito firme e irrefreável valentia pessoal. Ao regressar da viagem e se deparar com a nova realidade que teria que enfrentar, compreendeu, imediatamente, o desafio que o destino lhe reservara: cuidar e zelar por uma família numerosa , na ausência do seu cocmandante, e por prazo indeterminado. Funcionário do Ministério da Fazenda, era do seu salário que retirava a maior parte do sustento da casa. Além disso, era ele quem nos levava – a mim e a meus irmãos – ao Clube Gurilândia, na rua São Clemente, em Botafogo, onde tínhamos ambiente sadio e familiar. Graças a ele frequentávamos as festas, íamos ao Maracanã torcer pelo Fluminense, e tínhamos em casa uma referência paterna, um esteio para nossas angústias, um conselheiro para nossas inquietações, um pai a quem pedir proteção, com a vantagem de ser  mais acessível, de uma geração mais próxima, que jogava futebol de botão comigo e João Luiz e com quem podíamos nos abrir com nossos problemas adolescentes. Durante os quatro longos anos de exílio do meu pai, a sua ausência só não foi mais sentida porque tivemos um chefe na família,  um Homem na cabeceira da mesa.

Capitulo do livro Cesário Alvim 27 - Histórias do Filho de um Exilado, que será lançado, brevemente,  em segunda edição, pela Editora Universitária da UFPB.

Matéria Anterior Tribuna livre
Próxima matéria Encontro
Leia também:

+Notícias

Não perca as mais lidas da semana

Artesanato em alta

12 Jul 2025
  • 307

Propaganda High Tech

12 Jul 2025
  • 302

Turnê na Capital

12 Jul 2025
  • 295
no image
Ver mais notícias