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Com a ausência do meu pai, que partiu para o exílio em Lima sem previsão
de volta, ficamos – eu e os meus irmãos João Luiz, Rosalinda e Vanita –
praticamente órfãos. Apesar dos afazeres e responsabilidades como
político de projeção nacional, o então Ministro
Abelardo Jurema era um pai presente, que gostava do Natal em família,
que levava os filhos para lanchar no Bob’s de Ipanema, passear em São
Conrado ou almoçar na churrascaria Parque Recreio, que ficava no Largo
do Machado, à época a melhor do Rio de Janeiro.
Nos dias que se sucederam à Revolução de Março de 1964, o meu irmão mais
velho, Oswaldo Jurema, estava em Roma designado para exercer função no
Loyd Brasileiro, junto com o jornalista paraibano Heitor Falcão, de
saudosíssima memória, um velho e querido amigo
da família. Ambos foram tomados de surpresa pelo Golpe Militar e
tiveram que retornar imediatamente ao Brasil, avisados de que a situação
política no País havia passado por intensas transformações.
A falta de um homem no comando da casa deixava a todos nós ainda mais
inseguros. Minha mãe, dona Vaninha, filha do ‘coronel’ Oswaldo Pessoa,
embora demonstrando surpreendente coragem e bravura indômita, também se
ressentia da presença masculina ao seu lado,
sobretudo nos momentos de tensão e de forte pressão determinadas pelas
dificuldades financeiras.
Essa lacuna só veio a ser preenchida, alguns dias depois, com o retorno
do meu irmão Oswaldo do exterior. Com apenas 22 anos, convivendo com os
privilégios e os encantamentos do Poder durante toda a sua vida, ele
jamais se deixou contaminar pelas benesses e
privilégios conferidos “ao filho do Ministro”. Era um jovem consciente,
com os pés no chão, de caráter muito firme e irrefreável valentia
pessoal. Ao regressar da viagem e se deparar com a nova realidade que
teria que enfrentar, compreendeu, imediatamente,
o desafio que o destino lhe reservara: cuidar e zelar por uma família
numerosa , na ausência do seu cocmandante, e por prazo indeterminado.
Funcionário do Ministério da Fazenda, era do seu salário que retirava a
maior parte do sustento da casa. Além disso, era ele quem nos levava – a
mim e a meus irmãos – ao Clube Gurilândia, na rua São Clemente, em
Botafogo, onde tínhamos ambiente sadio e familiar.
Graças a ele frequentávamos as festas, íamos ao Maracanã torcer pelo
Fluminense, e tínhamos em casa uma referência paterna, um esteio para
nossas angústias, um conselheiro para nossas inquietações, um pai a quem
pedir proteção, com a vantagem de ser
mais acessível, de uma geração mais próxima, que
jogava futebol de botão comigo e João Luiz e com quem podíamos nos abrir
com nossos problemas adolescentes.
Durante os quatro longos anos de exílio do meu pai, a sua ausência só não foi mais sentida porque tivemos um chefe na família,
um Homem na cabeceira da mesa.
Capitulo do livro Cesário Alvim 27 - Histórias do Filho de um
Exilado, que será lançado, brevemente, em segunda edição, pela Editora
Universitária da UFPB.