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Uma das experiências mais difíceis que enfrentei como filho de exilado foi a
apresentação para o Serviço Militar, obrigatório aos brasileiros
que completam 18 anos. Estávamos em 1970, numa das fases mais agudas do
regime que havia se instalado no País a partir de 1964 e minhas
perspectivas de servir àqueles
que imaginava os algozes do meu pai, não eram as
mais animadoras. Além disso, temia represálias dos mais radicais da
caserna, que poderiam exagerar nos “trotes” tão comuns aos recrutas que
chegam aos quartéis e que, muitas
vezes, são vítimas de brincadeiras tão violentas que provocam traumas e
seqüelas para toda a vida.
Foram dias de angústia, desde que fiz o Alistamento Militar, até o dia
em que, finalmente, teria que ir ao Batalhão de São Cristóvão, na zona
norte do Rio de Janeiro, cumprir a minha obrigação de cidadão
brasileiro. Ressalte-se que, além de todos os meus justificados
temores, ostentava farta cabeleira, resultado da influência dos Beatles
e da revolução dos costumes que eles provocaram na sociedade mundial.
Apavorava-me perder as longas madeixas que eram o símbolo maior da
rebeldia da minha geração.
Finalmente, comecei os primeiros exames que atestariam a minha
capacidade para servir ao Exército. Nunca torci tanto para ter o chamado
“pé chato” que era motivo de dispensa da corporação. Para o meu
desapontamento, passei em todos os testes. Vieram, então,
as aferições das atividades físicas onde também fui aprovado, sem
restrições. Faltava, porém, o último e decisivo momento: a entrevista
com o Capitão, uma audiência individual onde os candidatos eram
sabatinados para revelar traços de sua personalidade e de
suas pretensões nas Forças Armadas.
Havíamos recebido um extenso questionário onde faríamos nossas
colocações sobre temas variados, inclusive de natureza ideológica. E, ao
final, a pergunta fatídica: “você é voluntário? Sim, ou não e porquê?”
Passei horas refletindo o que responder, até que me decidi pela verdade:
num depoimento emocionado, abri meu coração e disse que admirava a
instituição, mas
não desejava servir ao Exército brasileiro.
Ponderei que não me sentiria confortável em vestir a farda verde oliva
que me trazia duras lembranças. Falei da invasão da minha casa na noite
de 31 de março e o constrangimento
gerado em minha família. Pedi, então, para ser liberado.
Ao ler o documento, o Capitão responsável pela seleção, me olhou com gravidade:
- Conheci seu pai no Palácio do Catete, onde servi no Governo JK.
Lembro-me bem dele, cumprimentava oficiais e praças com alegria e
simplicidade. Era um homem bom que cumpria a
sua missão
perante a nação. Vai pra casa, garoto!
Sai de lá sem acreditar que havia me livrado do pesadelo e ainda mais confiante que a verdade
é, sempre, o melhor caminho.
* Capítulo do livro Cesário Alvim 27 - Histórias do Filho de um
Exilado - que será lançado, em segunda edição, pela Editora
Universitária da UFPB.