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O reino de Deus

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 Abelardo Jurema Filho  
Tenho 69 anos e, embora não me veja assim – a minha idade cronológica não bate com o meu estado de espírito - posso ser considerado um senhor de idade provecta, com direito a fila preferencial nos bancos e atendimento prioritário nos órgãos e serviços públicos, e outros privilégios conferidos por Lei às pessoas idosas.
Seria natural, portanto, que, à esta altura da vida, já tivesse aposentado as minhas recordações de criança, que corria pelas ladeiras do Humaitá, no Rio de Janeiro, que brincava de pique bandeira na rua Cesário Alvim, que colhia mangas e jambos das árvores e que andava de bicicleta pelas ruas do bairro com a alegria de quem descobre o mundo.
É impressionante, porém, como essas lembranças se mantém vivas na memória, desafiando o tempo e o espaço, como se guardadas no HD de um computador, armazenando não apenas as imagens, como os sons, as emoções e os sentimentos que viriam a forjar a minha personalidade adulta.
Por felicidade foi assim: tive uma infância privilegiada, com família para me cuidar, comida na mesa, carinho e afeto, com direito a brinquedos no Natal, festas de aniversário e uma cama para dormir. Fui educado numa boa escola, brincava de pés no chão, andava de carrinhos de rolimã, jogava futebol na rua e tive direito a todos os requisitos que devem nortear o que é necessário a uma criança, que precisa crescer saudável e plena para se tornar um adulto de caráter, um cidadão de bem e pronto para enfrentar a vida.
Esta semana, no cruzamento das avenidas Edson Ramalho com a Ruy Carneiro, meninas de 10 para 12 anos, de roupas maltrapilhas, pediam dinheiro no sinal de trânsito, para matar a fome delas e da mãe que ocupava a calçada ao lado, com um bebê nos braços. Um pouco mais adiante duas famílias inteiras, também com crianças a tiracolo, exibiam um cartaz em que proclamavam a situação de miséria em que se encontravam, precisando de alimento para dar de comer a seus filhos.  
Diante dessas situações constrangedores, que nos deixam enrubescidos de vergonha pela incapacidade da sociedade brasileira de resolver os seus problemas mais prementes, fiquei a pensar no decantado Estatuto da Criança e do Adolescente criado, justamente, para amparar os menores e lhes garantir o direito à educação e uma vida digna.
E também fiquei a refletir por onde andam os órgãos públicos a quem caberiam, pelo menos, minimizar essa situação com medidas protetivas aos excluídos e vulneráveis. O que foi feito dos Conselhos Tutelares? Por onde anda o Juizado de Menores? O que fazem as autoridades que fingem não ver o que acontece aos nossos olhos?  
É triste, muito triste, andar pela cidade no feriado de Nossa Senhora Aparecida, no Dia das Crianças, segundo o calendário oficial, e testemunhar que, enquanto nossos filhos e netos estão em casa, sadios e felizes, divertindo-se com os seus brinquedos, outros meninos e meninas estejam pela rua, a mendigar o que comer e a esperar que a compaixão e a comiseração humana possam suprir as suas necessidades mais urgentes.
- Vinde a mim as crianças pois delas é o Reino de Deus, disse Jesus.  
Que assim seja. E que Ele nos perdoe a todos por tamanha omissão e indiferença.


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