Abelardo Jurema Filho
Não conheço a sua obra musical. Da geração que se acostumou a ouvir os Beatles, Roberto Carlos, Tim Maia, Chico Buarque, Caetano e Milton Nascimento, sempre fui um pouco arredio, relutante e, confesso, até preconceituoso, em aceitar me adaptar a esses tempos que marcaram a ascensão da música sertaneja, forronejo, sofrência e tantos outros estilos que são hoje uma realidade indiscutível nas plataformas musicais, que comovem a juventude, que lotam as casas de show e dominam os acessos nas redes sociais.
Mas a cantora Marília Mendonça sempre chamou a minha atenção, não apenas pela sua voz, grave e marcante, ou pela qualidade de suas composições, mas, sobretudo, pela personalidade que exibia em suas apresentações; pelo seu comportamento pessoal e sinceridade que inspirava em suas declarações. Além disso, ao contrário de tantas outras artistas de sua época, que utilizam a cultura do corpo e do erotismo como principais ingredientes para alavancar as suas carreiras, era a mesma pessoa, em cima ou fora do palco, interpretando suas canções com comovedora simplicidade.
Para retratar o meu sentimento em relação à perda dessa grande artista, fui recorrer a um texto que a jornalista Albiege Fernandes, companheira de geração, ex-dirigente de A União, profissional talentosa e escritora sensível, publicou em sua página no Facebook em que revela sentimentos muito parecidos com o que eu gostaria de dizer sobre a Rainha da Sofrência, cujo falecimento enlutou e impactou o País que chora a sua morte. Eis o que ela diz:
“O Brasil não conhece o Brasil. Eu me incluo nessa bolha que abriga uma massa besta, fraca, seletiva, que não conhecia Marília Mendonça, a "rainha da sofrência", assim como a consagrada Maíza Matarazzo que tanto agradou às elites de sua época.
Por preconceito, está romântica que vos escreve, não conhecia a menina que, na praia da Pipa, aqui pertinho, se desculpou com o público por ter cometido transfobia. Vi essa informação em um post da poeta paraibana, Debora Gil Pantaleão, que agradeceu por esse gesto humanitário de Marília e lamentou a tragédia que matou a menina.
Marília cantava de óculos de grau, talvez a miopia machista que, quiçá, tenha começado a ser tratada pelas letras das músicas onde escancarava um peito dilacerado pelas desilusões. Marília era gordinha, coxas grossas, peitões e uma presença tão forte que rasgou o denso pano do palco sertanejo e assentou, bem no foco das luzes da ribalta, um movimento de nome feio, "feminejo" que deverá continuar sim, abrigando talentos femininos no segmento musical que é tão legítimo na região de onde ela veio, quanto é genuíno o forró nordestino.
O "feminejo" era seu reduto, o apoio que lhe dava segurança para rebelar-se entre seus pares machistas do sertanejo, e declarar, alto e bom som, sua escolha política contrária à deles. Marília integrou-se ao grito #EleNão em 2018, mostrando mais uma vez, que tinha fôlego de sobra para cantar, e entoar política. Marília, como todo fenômeno artístico popular, ganhou muito dinheiro em pouco tempo, mas resistiu aos apelos e manteve sua forma natural. Não retalhou o corpo nem o rosto, apresentava-se sem apelo erótico. Mostrava a alma, a força e a sensibilidade tão maduras quanto infantis, de uma menina que sentia o drama das mulheres.
Marília Mendonça, perdão pelo meu preconceito”.
Perdão, Marilia!
01 Nov 2021- 198

