Os meninos de 1930

  • 52
Fonte:
Imprimir

Gonzaga Rodrigues
Jornalista e escritor membro da APL

Três meninos, um já adolescente, ajudaram-me na busca da isenção que sempre procurei nas versões dos adultos.
Foram eles: Celso Furtado, entre 8 e 10 anos; Virginius da Gama e Melo, ainda de camisão, e, por último, Luís Gonzaga de Oliveira, da turma dos menores de 1930, no Seminário Diocesano. Celso numa página literária de suas memórias, Virginius no romance; e padre Gonzaga nas memórias que a aluna e mestra Linalda de Arruda Mello revisou para a edição em livro.
Muitos dos seus capítulos, não sei se todos, saíram em “A Imprensa”. Outra aluna, Ângela Bezerra de Castro, sabendo do meu interesse por esse dramático conflito no seio da Paraíba ou pelos seus principais personagens, passou-me os originais.
A leitura foi me prendendo e, de repente, me vejo num Seminário infiltrado daqueles mesmos rumores que povoaram a imaginação do menino Celso Furtado, agora numa narração mais longa, mais viva, sob a tensão nervosa e contida de padres sisudos e a imaginação fervente de alunos.
Por mais fechado que fosse o claustro, por mais vigiadas que corressem as conversas, o incêndio político de 1930 infiltrou-se ou revelou-se ali soprado pelos ventos doidos da rua.
O presidente João Pessoa se apossara de todas as imaginações. Nos corredores, intervalos e recreios do Seminário não se fala ou cochicha outra coisa, mesmo respeitando-se o convívio de colegas pertencentes a famílias da outra facção.
Torcia-se pelo coronel João Costa, um nome que soava de Tavares, como se torcesse pelo Brasil. Não cessavam os boatos de intervenção federal, a Paraíba cercada de tropas do Exército, todos os governadores vizinhos contra a nossa Pátria. Sim, a nossa Pátria, a Paraíba. “O perigo estava tão iminente que o arcebispo D. Adauto e o bispo de Cajazeiras endereçaram um telegrama ao presidente Washington, pedindo-lhe ‘pelas chagas de Cristo’ que não interviesse na Paraíba”.
Continuemos com padre Gonzaga em sua fidelidade ao adolescente:
“No dia 29 de abril fomos à Catedral, para assistir às exéquias solenes do cardeal Arcoverde. Entramos notando o grande templo todo coberto de luto. (...) Foi a primeira vez que ouvi a marcha fúnebre de Chopin e o funeral “Gama e Melo”, composto aqui na capital. Porém, o que mais nos chamou a atenção foi a oportunidade de conhecermos de perto o presidente João Pessoa. Quando entramos, ele já estava em seu lugar de honra (...) Levantou-se quando nos viu caminhando pelo centro da igreja, acompanhados do Arcebispo. Passamos bem pela frente do Presidente. Por bem perto, mesmo. Cravando o olhar curioso em sua fisionomia grave e serena, de um verdadeiro chefe de estado. E devido a isso, fiquei com a mais viva e inapagável lembrança que se pode conservar de um mortal, num momento em que reúne em torno de si todas as atenções”.
O outro menino, Celso, já alcançada a serenidade de quem escreve as memórias (Celso Furtado, Essencial, 37) não se liberta do cenário em que se fundiam as imagens do “chefe e do milagreiro”: “...Eu ouvia crédulo, pelas domésticas de minha casa, as histórias desse homem que se disfarçava ‘numa pessoa qualquer` para praticar o bem nos mais humildes. O assassino brutal desse homem (exatamente no dia em que eu completava os meus dez anos) provocou uma tal angústia coletiva que ainda hoje não posso me recordar sem me emocionar.”





Matéria Anterior Mag Shopping passa por uma grande reforma
Próxima matéria HOMENAGEADA - STELLA PAULA
Leia também:

+Notícias

Não perca as mais lidas da semana

Ver mais notícias